Caliban’s War [The Expanse series, Livro 2], James S. A. Corey

Os escritores Daniel Abraham e Ty Franck que utilizam o pseudônimo James S. A. Corey fazem algo raro no meio: entregam o que prometem! Seja no conteúdo, seja no volume, desde 2.011 Corey tem entregue aos leitores anualmente cerca de 550 páginas de texto passados no universo ficcional conhecido como a Expansão – mas para efeitos midiáticos usaremos a versão em inglês “The Expanse”.

Neste universo o ser humano colonizou o Sistema Solar. Lua e Marte são habitados. Marte tem governo próprio, bastante militarizado, que se indispõe contra o governo terrestre. O cinturão de asteroides também é habitado, mas por uma classe de trabalhadores chamada cinturinos [belters, no original]. Apesar de relegados a uma condição inferior, provocada também por posições racistas em relação às alterações físicas na exposição à gravidade zero e radiação espacial, cabe aos belters e as classes trabalhadoras manter a produção de alimentos e de água potável para alimentar os habitantes dos planetas internos. Devo confessar que li críticas sobre a viabilidade financeira de tal empreendimento, mas isto caiu em minha “suspensão da descrença” e eu posso viver com isto.

Quem leu o primeiro romance da série, Leviatã desperta (Leviatan Wakes) ou assistiu a primeira temporada da série de TV que adapta a trama sabe que os autores criam personagens cativantes, ainda eu que prefira outros narradores de ponto de vista que não James Holden; e os autores me presenteiam com três novos:
Chrisjen Avasarala – executiva das Nações Unidas, Avasarala é perfeita! Energética, política, autoritária e uma verdadeira “vovozona” com uma boca suja e um coração enorme! Seus capítulos são de longe os melhores e sua disposição de apostar alto e colocar seu rabo na reta chama a atenção. É a mesma personagem da série de TV essencialmente, com a diferença de que nos livros só surge a partir do segundo volume. Em um lance arriscado para entender um acidente em Ganymede, Chrisjen contrata para seu escritório a sargento marciana renegada Bobbie Drapper algo que as jogará em uma missão diplomática para a lua distante!
Prax Meng – Botânico que trabalha em Ganymede, Prax está em busca de sua filha sequestrada durante o início dos conflitos. O seu caminho se cruza com o da pessoal da Roccinante que assumem para si a missão de encontrar e resgatar Mei.
Bobbie Drapper – Em uma missão em Ganymede Roberta Drapper tem seu esquadrão estraçalhado por um monstro que anda na superfície da lua de Júpiter sem armadura. Bobbie sobrevive, mas descobre-se responsabilizada por atacar o esquadrão terrestre que patrulhava a fronteira junto seu seu e que seu governo a jogou aos leões! Irada, Bobbie se desliga das forças marcianas e passa a trabalhar para a política terrestre Chrisjen Avasarala, união que as levará a encontrar a tripulação da Rocci.

Assim que há o ataque em Ganymede, no primeiro capítulo do livro, inicia-se um conflito acima da lua de Jupiter e a OPA envia a Rocci para auxiliar no resgate de civis. Holden está transtornado pela culpa do conflito anterior e ao descobrir evidências de que um monstro transformado pela protomolécula tem envolvimento no início do conflito, isto se acirra ainda mais, já que foi ele que entregou a protomolécula para Fred Johnson, chefe da OPA. A lenta transformação de Holden em alguém frio e violento, com uma enorme carga de culpa para expiar, cria uma tensão entre ele e Naomi Nagata, parceira na Rocci. De resto a tripulação original da Rocci, que a Holden e Naomi somam-se Amos e Alex, continua sendo um time divertido e bastante azeitado. Amos é o típico “tio” violento e explosivo, cuja personagem é responsável por dezenas de bons momentos; enquanto Alex continua sendo apenas o piloto. A maior informação sobre o piloto é dada por Avasarala e não passa de linha e meia de texto. Com a chegada de Bobbie Draper e Chrisjen na Rocci (após a metade do livro) o personagem recebe alguma relevância, já que também é marciano, mas nada que o torne realmente interessante. Amos rende um pouco mais, já que imediatamente se sensibiliza pela situação de Prax, o quê deixa relevar várias partes de seu passado, seja em flashbacks, seja em narrativa de relatórios. O personagem cresce, mas ainda é pouco profundo, certamente sendo uma excelente possibilidade para um futuro personagem narrador. Evidentemente não ter um conflito interno sobre o quê faz o simplifica bastante, mas em uma situação extrema será uma oportunidade impar para ver sua versão dos fatos.

Caliban’s War [ISBN 978-0-316-20227-5, Orbit, 2012] é essencialmente um livro de ação, centrado nas ações de time em um cenário de guerra em um cenário maior de sci-fi. É, por definição, um romance de space opera. Os personagens são envolvidos em um conflito menor e passam a tentar impedir que haja um conflito maior, assim como impedir que uma empresa forneça mão de obra para fomentar este conflito maior. Em torno disto, o drama de um pai que perdeu sua filha e a pouca chance em recuperá-la nos faz torcer automaticamente por ele. Se a simplicidade de Holden, com sua ação típica de “vamos divulgar tudo” irrita, parece que os autores tem perfeito conhecimento disto e querem que o personagem seja assim, já que Avasarala o critica abertamente por estas posturas e rouba a cena: pouco após atracar na Rocci é a sub-secretária que está realmente mandando na nave! Mas novamente, como Miller no primeiro romance, o falso antagonismo entre Holden e Avasarala faz com que os personagens se complementem. E o resultado funciona!

Como quase todos os romances atuais, vencer as primeiras 250-300 páginas exige um pouco do leitor, já que os autores estão posicionando seus personagens e os eventos, mas a partir daí tudo funciona muito bem. Eu mesmo venci 120 páginas no último dia de leitura, incapaz de deixar para lá o livro. Por fim, Corey cria uma tensão que se assemelha em tom ao final do primeiro romance, mas conseguem não se repetir. E até o penúltimo capítulo “fecham” a trama, deixando em aberto a continuação apenas no último momento do último capítulo.

Vencer as 598 páginas de Caliban’s War foi importante para mim por dois motivos. O primeiro é que se torna o mais volumoso livro que li em inglês. Para mim o nível de concentração e de energia é maior que eu gasto quando o livro está em português. Segundo, que rompi em parte o preconceito contra dispositivos digitais, pois o li no Kindle (versão iPad, confesso). Já havia lido alguns livros técnicos e da área de administração pública, minha área de formação, mas na ficção eu havia ficado restrito em contos e noveletas, algo curto e geralmente barato.

Mas minha crítica ao equipamento continua: enquanto a proprietário do software de leitura digital (o Kindle pertence à Amazon) tiver possibilidade de alterar e censurar livros depois que estão em meu equipamento eu não me sentirei plenamente à vontade em usar este meio. Há dois itens adicionais: a possibilidade de empréstimo e a possibilidade de revenda, ambas inexistente no momento – ao menos são pouco divulgadas, se existirem – também me afastam de usar intensamente o formato. E é claro, o medo de transformar o livro digital no formato preferencial de distribuição e como isso dará poder à Amazon.

Nota: 8/10.

The Expanse, a série de livros
1
Leviatã Desperta [Leviatan Wakes 02/06/2011, no Brasil Editora Aleph, 2017]
2
Caliban’s War [26/06/2012]
3
4
Cibola Burn [05/06/2014]
5
Nemesis Games [02/06/2015]
6
Babylon’s Ashes [06/12/2016]
7
Persepolis Rising [05/12/2017]
8
Tiamat’s Wrath [04/12/2018]



The Expanse, contos/novelas
1
The Butcher of Anderson Station [17/10/2011]
2
Gods of Risk [15/09/2012]
3
Beloved of Broken Things [27/11/2012]
4
The Churn [29/04/2014]
5
The Vital Abyss [15/10/2015]
6
Strange Dogs [18/06/2017]