Dizer
que não lembra uma série de outros autores seria uma mentira, ao
mesmo tempo que dizer que não é original. Miéville é original a
seu termo, pois seu foco não é na história, mas no ambiente.
Recria a trama mais batida da literatura inglesa: após morte do pai,
com quem tem pouco contato, SAUL GARAMOND, descobre-se ligado
a uma sinistra criatura que lhe apresenta uma visão distinta de sua
Londres. Daí surge o fantástico, uma herança e um conflito com uma
criatura que põe em risco a sua existência.
O
autor procura descrever uma Londres com um pé no real e outro no
onírico; assim como explicar ao leitor parte do conceito musical que
inspira o trabalho – parte, porque em última instância quem não
tem contanto com aquele estilo não poderá compreender perfeitamente
o ritmo que Miéville tenta criar.
Há
um sabor de DEPOIS DE HORAS, ALICE, DEUSES
AMERICANOS, apenas para ficar nos mais óbvios. Há também um
quê do “menino príncipe injustiçado”, ainda que disperso em
tanto texto. Miéville corre um sério risco de virar um pastiche de
ideias já executadas como maestria por outrem. Num determinado
momento força uma história de romance entre um príncipe rato e uma
sem-teto louca. Seria terno, exceto que não há sexo (na sequência
e no livro) e que ao leitor é impossível esquecer o fedor dos
personagens. Se algo consegue ultrapassar do livro é o sentido do
olfato. Os personagens fedem!
Às
vezes o conflito de Saul em assumir uma herança não convence. Em
contraponto sua rápida aceitação de sua nova condição, também
não. É diferente dos diálogos que vemos, por exemplo, em UM
OCEANO NO FIM DO CAMINHO de Neil Gaiman, que, de tão
realistas, soam artificiais. Se em Gaiman é apenas o diálogo que é
artificial e provoca um choque, aqui parte do cenário soa
artificialmente, forçado. Tudo parece bloco de texto cuidadosamente
costurados seguindo uma receita.
Mas
Miéville consegue criar bons diálogos e cenários, ambos
cinematográficos, como já disse. E isso salva o livro e nos provoca
a continuar a leitura. Falta evidentemente uma motivação verdadeira
ao seu vilão, pois perseguir o sobrevivente não se sustenta a não
ser que estejamos lendo FÁBULAS (em tempo o livro é de 1998
e Fábulas, a série em quadrinhos da VERTIGO é de 2001).
Mesmo
com uma tradução que busca explicar a sonoridade cockney de
um dos personagens e a dezena de termos musiciais, o livro tem ritmo
e é fácil de ser lido. Porém sempre fica uma impressão de
distanciamento. De estarmos assistindo e não imersos na trama, por
isso nem mesmo algumas reviravoltas na trama soam surpreendentes de
fato. Soam como um gigantesco “passo a passo do novo escritor”,
pontuais; as vezes imperceptíveis; mas ao mesmo, estão aí tão
estruturados que sabemos alguns lances com páginas – e capítulos
– de antecedência.
REI
RATO, China Miéville, ISBN 978-85-61541-29-3,
tradução Alexandre Mandarino, Tarja Editorial, 2011.