por Mike
Gold, editor de Hawkworld
(o texto
foi publicado em Hawkworld Annual #01 - os negritos são do blog, não do texto original)
Tradução
especial para o blog O silêncio dos carneiros do nosso colaborador e amigo: Ben Santana
Se você vem lendo nosso título mensal HAWKWORLD – e se você não está lendo eu tenho certeza que este Anual de tamanho mais que duplo vai fazer que você corra imediatamente e pegue a meia dúzia de números atrasados antes que eles subam de preço no mercado colecionador – você está ciente que tem havido certa controvérsia nas nossas seções de cartas em relação a como esta série particular se encaixa na continuidade estabelecida da DC.
Por todo
este tempo eu vinha dizendo, “espere até que você leia o
Anual, espere até que você leia o Anual”. Quase se tornou o
nosso mantra: nós recebíamos uma reclamação sobre continuidade e
eu assumia a posição de lótus e começava a balbuciar “espere
até que você leia o Anual, espere até que você leia o Anual.”
O que promoveu uma série de piadinhas sem graça aqui na redação,
olhe só.
OK. Agora
nós fizemos o Anual. Agora você comprou o Anual. E, a menos que
você seja uma daquelas pessoas que leem as páginas de texto
primeiro (como eu, na verdade), agora você leu o Anual.
Mas
estranhamente eu ainda acho que existem algumas palavras que merecem
ser ditas sobre a continuidade – tanto em geral quanto em relação
à HAWKWORLD. Sim, é realmente tempo para a ....origem secreta
da...CONTINUIDADE!
* * *
Eu duvido
que alguém tenha pensado nisso quando tudo isso começou. Existiram
dispositivos de continuidade através da história do material
popular impresso: por exemplo, coisas que aconteceram em uma edição
de revistas pulp como The Shadow ou Doc
Savage podiam ser referenciadas em edições subsequentes.
Personagens em Terry e os Piratas, nos jornais, podiam
voltar em histórias posteriores; o raro vilão que Chester Gould
tinha esquecido de matar poderia voltar para deliciar os leitores de
Dick Tracy uma vez mais.
Quando as
revistas em quadrinhos começaram a publicar material original mais
ou menos 54 anos atrás, não era difícil estabelecer uma
continuidade linear para cada uma das séries: no final da década de
cinquenta e início da de sessenta, a Legião dos Super Heróis
podia (e o fez) aparecer em todos os vários títulos do
Superman sem criar nenhum conflito.
Mas
alguma coisa mudou entre as histórias da Sociedade da Justiça,
que terminaram em 1951 e as primeiras da Liga da Justiça, que
começaram em 1960. Os vários membros da Sociedade da Justiça
poderiam se encontrar nas páginas de ALL-STAR COMICS e salvar
o mundo, sem ter que reconhecer suas experiências compartilhadas em
suas próprias séries regulares.
Nove anos
depois, a audiência tinha se tornado mais sofisticada – realmente,
a Liga da Justiça tinha sido revivida graças aos esforços de fãs
como Roy Thomas e Jerry Bails. Assim como hoje, os
leitores da época exigiam historias mais plausíveis: se o Flash,
Lanterna Verde e Mulher Maravilha se conheciam das
páginas de JUSTICE LEAGUE, essas aventuras teriam que ter
algum impacto nas suas aventuras solo também. Desta forma uma
consciência de continuidade nasceu.
Alguns
anos mais tarde, o conceito de continuidade retroativa apareceu
quando a Liga da Justiça encontrou a Sociedade da Justiça original.
Infelizmente, o conceito de pessoas de um universo compartilhado
encontrando pessoas que habitavam um universo não compartilhado
levou a… contradições, como “se o Starman
tornou-se inativo cinco anos antes da Canário Negro
ter começado a combater o crime, como os dois podiam lutar juntos –
e o Starman não deveria ser muito mais velho?”
Depois de
algum tempo, essas contradições se tornaram bem impressionantes. No
final das contas, a Sociedade da Justiça, que havia lutado na
Segunda Guerra Mundial – teria que estar bem velhinha para
estar lutando contra o crime o meio da década de oitenta. Então,
consciência da cronologia tinha sua desvantagem.
* * *
Porque os
super-heróis da DC existiram por pelo menos vinte e cinco anos sem
uma continuidade estreita, conflitos enormes tinham que ocorrer. Até
mesmo a História começou a atrapalhar: de forma alguma nós
trataríamos mulheres e minorias tão desrespeitosamente quanto nós
fizemos na década de quarenta – Chop-Chop, dos Falcões
Negros é um exemplo, assim como virtualmente todos os
companheiros mirins negros daquela época; até mesmo o uniforme da
Canário Negro parece um tanto extremo para parâmetros
contemporâneos.
Então
nós tivemos que achar uma maneira de “por em ordem” a
continuidade. Existem várias maneiras que podem ser usadas para se
tentar arrumar a questão:
- Implantes de Cronologia. Um enredo pode ser criado para que possa revelar um até então desconhecido incidente que altera, ou conserta, a História. Este é um enfoque bem temporário, mas funciona: geralmente a história que contém o implante não será espetacular, mas o impacto na série será benéfico.
- Ignorar coisas selecionadas. Isso acontece muito mais frequentemente que você possa perceber: certos aspectos são minimizados com o tempo, até o ponto que eles simplesmente deixam de existir. Alguns leitores mais antigos podem lembrar-se deles e, a menos que estes pontos sejam desmentidos, eles presumirão que eles ainda são uma parte ativa da continuidade. Leitores mais novos, entretanto, permanecem não sobrecarregados. Este parece ser o método favorito de um dos nossos competidores – apesar deles poderem ficar bravos quando ler isto, eu não estou tentando caracterizar esta maneira de uma forma negativa. É um método humanitário de lidar com problemas de continuidade, principalmente quando estes problemas se reduzem a como você enfatiza relações de tempo/idade e problemas históricos. Além disso, a DC vem usando esse método para o Batman por 51 anos.
Eu
preciso descrever os detalhes deste processo? OK: Você
pega todas as coisas boas, reduz a série para o básico, coloca
todas as coisas boas de volta, mas desta vez em termos contemporâneos
(quer dizer, será que Lois Lane realmente precisa daquele
chapeuzinho?), e você lentamente reintroduz o resto das coisas que
ainda funcionam, de novo fazendo isto de um modo contemporâneo.
- A Prestidigitação. Eu gostaria de pensar que este é o método preferido da DC, mas já que eu estive pessoalmente envolvido em um monte destes tipos de revivals, eu não seria tão metido. A ideia aqui é que você realmente não muda nada necessariamente, mas leva para o próximo passo evolucionário.
Virtualmente
tudo que saiu a partir da minissérie LEGENDS usou este
método: FLASH era sobre as aventuras do Flash da terceira
geração, SUICIDE SQUAD era sobre um Esquadrão Suicida
completamente novo que era um distante – mas linear – parente do
original, e JUSTICE LEAGUE era sobre a segunda geração da Liga da
Justiça, a primeira geração tendo debandado como parte dos tie-ins
de LEGENDS. O recente revival da Legião dos Super-Heróis usou esta
técnica também.
- Ignorar completamente a cronologia. Este é um esquema muito bom, se os leitores não reclamarem. Estranhamente, os únicos dois casos que eu posso me lembrar de onde ele foi usado com sucesso foram em vários projetos especiais com o Batman e em Mickey Mouse.
Se
você não é um fã do Mickey Mouse, será muito difícil descrever
como isso foi feito além de dizer que durante os anos eles prestaram
a mínima atenção a histórias anteriores e quase nunca se referiam
a elas, mas as histórias funcionavam muito bem, de qualquer forma.
É
mais fácil discutir essa técnica em termos dos projetos especiais
com o Batman. Nós nos referimos a estas
histórias como “sem continuidade” ou “fora da continuidade”.
Por exemplo, DARK KNIGHT,
de Frank Miller realmente não aconteceu (é, eu sei que nada
disso realmente aconteceu, mas se nós vamos discutir
continuidade, nós teremos que ser sérios) dentro
da continuidade do Batman, e alguns ou a maioria de todos os arcos de
LEGENDS OF THE DARK KNIGHT
atuais realmente não aconteceram e DIGITAL JUSTICE realmente
não aconteceu... e assim por diante.
A
verdade é que é interessante ver a visão de Miller para Batman e
contrastá-la com as de Moreno ou Morrison. Claramente, a grande
maioria das histórias de Batman, em THE BRAVE AND THE BOLD
realmente não aconteceu, mas muitas delas foram histórias
maravilhosas. Eu gostaria de poder usar este enfoque com outros
personagens de tempos em tempos.
- Escolhendo. Você combina elementos dos enfoques acima. Vamos pegar, digamos, a mensal HAWKWORLD, por exemplo. Nós meio que apagamos a encarnação da década de sessenta do Gavião Negro (apesar de que nós guardamos muito) e começamos tudo de novo, permanecendo fiel ao espírito do material fonte. A história que você acabou de ler (presumindo que você já tenha lido as 56 páginas anteriores) serve como um implante de continuidade, e nós podemos – e o fizemos – usar esta história como base de nossa história de “segunda geração”: é a técnica da prestidigitação.
* * *
Todas
essas técnicas se resumem a um tipo central de decisão: a equipe
criativa decide quais coisas aconteceram e quais coisas não. O único
problema é como ou se você explica suas mudanças.
E todas
essas técnicas acima serão empregadas em sequência por escritores
e artistas futuros. Se você é um novo escritor do Arqueiro Verde
e quer dizer que a versão do Arqueiro sem cavanhaque foi um cara
completamente diferente que por acaso se chamava Oliver Queen
e você conseguir convencer o artista e o editor (boa sorte), isso
vai acontecer. Se você é o novo escritor de HAWKWORLD e puder ter
um argumento convincente que os Gaviões estão secretamente casados
desde a edição número quatro, isto vai acontecer. Na
verdade isso não é tão ultrajante quanto parece: uma coisa bem
similar aconteceu nos romances de Tarzan
de Edgar Rice Burroughs,
quando alguém tinha que explicar como os filhos apareceram.
O
problema é, não importa que técnica que você use, alguém sempre
vai chiar (meu eufemismo favorito, a propósito). Primeiro, cada vez
que você altera ou ignora alguma parte da continuidade, você vai
provavelmente perder algumas coisas legais. O Superman revisado foi
ótimo, mas arrumou problemas enormes quando falamos da Legião dos
Super-Heróis.
Segundo,
você tem que ser cuidadoso para não estabelecer coisas que terão
que ser apagadas mais tarde. Ao passo que isso é impossível de
evitar em longo prazo, existem várias armadilhas escondidas, e ás
vezes é difícil dizer qual é o bebê e qual é a água do banho.
Terceiro,
você tem que se dar conta que você nunca pode arrumar a
continuidade da vida real (academicamente, eles chamam isso de
“História.”)
Por
exemplo, um dos meus quadrinhos favoritos foi escrito em 1961, e era
sobre como um grupo de cidadãos se sentia em relação a ganhar dos
Comunistas na corrida espacial. Essa história como escrita em
1961 seria meio estúpida hoje: nós fomos para Lua vinte anos
atrás, então ser os primeiros no espaço não parece ser grande
coisa e provavelmente não valeria a pena arriscar quatro vidas.
Nosso relacionamento com a União Soviética melhorou dramaticamente
e existem outras nações que nós começamos a considerar como os
caras maus. Cientificamente, pelos padrões de hoje, a ideia de
quatro pessoas pegarem um foguete e ir para o espaço em um capricho
também parece bem tolo.
Mas pelos
padrões de 1961, Fantastic Four #1 foi uma
coisa excelente, e eu sei disso – eu comprei a edição na banca e
a li mais ou menos meia dúzia de vezes sem parar. Mas
aquela história não seria contada dessa forma hoje em dia, e
recapitulando os detalhes mais importantes da história de origem, as
equipes criativas de hoje tendem a não enfatizar os conceitos mais
datados.
Finalmente
e mais significantemente, quando você começa a bagunçar a
continuidade, não importa o quão importante seja para criar uma
nova ou alterada continuidade, existem pelo menos alguns fiéis
leitores que estão por ai desde o começo que sentem uma ligação
com O Que Aconteceu Antes. Estas pessoas tem o direito de ter esses
sentimentos, e como membros da equipe criativa devemos ser tão
respeitosos com os sentimentos deles o quanto é humanamente
possível.
Nós
sentimos que essas mudanças são necessárias e importantes, e a
História nos diz que estamos certos de olhar na direção da
mudança. As pessoas que estavam escrevendo, ilustrando e editando na
Atlas Comics no meio da década de cinquenta tentaram reviver
o Capitão América, o Tocha Humana e Namor,
então eles trouxeram esses heróis clássicos da década de quarenta
de uma forma relativamente não alterada... e eles falharam. Na
metade para o final da década de cinquenta, a DC Comics trouxe de
volta o Flash, Lanterna Verde e a Sociedade da Justiça da América
em uma forma radicalmente alterada – uma forma modernizada – e
estes personagens e conceitos revividos tiveram sucesso de uma forma
ou outra durante mais de três décadas... mais que três vezes as
sua carreiras originais.
Então,
como ficamos com HAWKWORLD? Afinal de contas é o nome desta revista.
Na série
de luxo de Tim Truman, as decisões foram simples: nós
escolhemos o método da prestidigitação – não apagamos tudo,
escolhemos as partes legais da série de Gardner Fox e Joe
Kubert e colocamos as coisas em um prisma mais contemporâneo.
Mas na
série mensal tivemos que lidar com o efeito “estalo do chicote”
dessa decisão. Haviam muitas questões não respondidas que nós
sentíamos que tínhamos que resolver... não apenas para ser
atenciosos com nossos fãs de longa data, mas também para lidar com
problemas contraditórios de curto prazo.
Por
exemplo, quem era aquele cara com asas na Liga da Justiça da América
original?
Qual a
relação entre esse cara e o cara com as asas na Sociedade da
Justiça da América?
Como o
resto do planeta Terra se sentiria a respeito de seu novo herói ser
um dos odiosos thanagarianos, por causa da recente série da DC,
INVASÃO?
Por sorte
nós podíamos tirar proveito dos serviços de um mestre: John
Ostrander, que adora resolver estes tipos particulares de
conflitos de continuidade. Olhe a maneira com a qual ele lidou com
SUICIDE SQUAD. Olhe como ele continua a reinventar Grimjack
(cara, estou fazendo muita propaganda de outras editoras hoje, não
estou?). Olhe sua longa estadia em FIRESTORM.
John e eu
estamos discutindo este Anual desde que ele começou na série
mensal. Na verdade, ele levou muito mais tempo para escrever
esta edição do que ele levaria para escrever uma história comum de
56 páginas.
Então,
com certeza, esperamos que goste.
E apesar
de apreciarmos o apoio de todos os nossos leitores, nós
particularmente apreciamos o apoio dos leitores de longa data do
Gavião Negro. Nós gostamos de pensar que sabemos como você se
sente: tanto eu quanto John compramos aquele primeiro número do
Gavião Negro em THE BRAVE AND THE BOLD diretamente nas bancas, quase
trinta anos atrás.
E nós
gostamos tanto dele...bom, é por isso que estamos fazendo este
título hoje.
Mike
Gold