Na pequena cidade de Derry no Maine (EUA) mortes de crianças ocorrem em um ciclo de vinte e sete anos e, em 1958, um grupo de sete crianças enfrentam “a Coisa” que se manifesta de várias formas, sendo a mais característica um palhaço – mas não a única, já que ele se alimenta do medo que cada criança. Em 1985 o aparente retorno dos assassinatos mostra a uma das crianças que continuou na cidade, agora um homem crescido, que está na hora de chamar os velhos amigos para honrar um juramento.
Basicamente um livro sobre aquilo que você tem medo seja como adulto, seja como criança, “It” é um calhamaço de 1.104 páginas publicado originalmente em 1.986, que se debruça em esmiuçar a ligação entre a Coisa e Derry, e como ao longo dos séculos a existência do monstro foi propositalmente ignorada e passou a influenciar os habitantes, não apenas na questão prática como moral. É, de certo modo, como se fosse aceitável que a cada ciclo um grupo de nove crianças fosse sacrificada. Ao mesmo tempo Derry soa como uma versão da colônia de Roanoke, que King abordaria na série de TV “Tempestade do Século”, com roteiro original. Em diversos momentos há a ideia que os habitantes foram para as trevas no subterrâneo, mas não é trabalhado em profundidade porque não é a trama que ele deseja contar.
As tramas de 1958 e 1985 se entrecortam, que deixam claro como os traumas influenciaram os personagens e suas vidas atuais, inclusive seus relacionamentos afetivos. Um truque muito interessante é que em 1985 os adultos não se recordam dos acontecimentos de 1958, que é descortinado aos poucos, no mesmo ritmo do leitor. Algumas ações inclusive espelham os acontecimentos originais, o que torna possível um evento começar no passado e “continuar” (ou se espelhar) no presente.
O passado de Derry é muito rico e creio que se sustenta sozinho – tanto que há a promessa de uma série de TV que explore exatamente este passado. Confesso que há podres o suficientes para uma ou duas temperadas. No entanto, seja o nível de detalhamento, seja as escolhas do autor na condução do conflito, seja o tamanho físico, tudo isso torna “It” uma obra ambiciosa, mas menor. Ainda que evoque uma questão de cosmogonia, que quando você percebe que leu, se pergunta porque está em um livro de horror, a trama a grosso modo é sobre os meninos da vizinhança enfrentando uma espécie de alienígena. Claro que Derry é um ponto focal que atrai toda espécie de mal, seja nos equivalentes à KKK, seja no pai que se insinua sexualmente em relação à filha, seja na mãe que alimenta os medos do filho para que ele seja dependente, seja no pai que espanca o enteado até a morte, seja no tratamento reservado a negros, seja no medo em relação aos indigentes, aos palhaços, à bibliotecária e, claro, aos valentões.
Curiosamente há tramas que geram expectativas de como serão resolvidas e o são repentinamente, quase como um corte malfeito do editor – em especial as tramas de uma esposa e um marido dos personagens que são atraídos à Derry. O interlúdio que explana sobre a vida de um dos garotos que será assassinado mostra alguém já contaminado com o mal e aparentemente deveria gerar cumplicidade com o leitor, sobre o fim merecido de um vilão; mas soa perverso, abusivo, desnecessário.
É um livro de Stephen King que deve ser lido, mas está longe que ser o melhor e, na minha opinião, está apenas em um TOP 10 porque, no momento, li poucos livros dele.