Qualquer
que fosse a surpresa de Admirável Mundo Novo o tempo encarregou-se
de dissipar. Sim, as pessoas são dadas umas às outras e trocam de
pares com a mesma frequência de que os personagens e os animais.
Sim,
existe um “cinema sensorial” que com suas tramas grandiloquentes
e maniqueístas substituem o prazer da leitura, e este coitado, o
livro, virou peça de repugnâncias - (“Você aí com o livro nas
mãos! Sai com as mãos na cabeça!”).
Sim,
mães e pais perderam o valor como instituição e surgem como
procriadores que parem e cedem o filho ao mundo, aproximando o ato de
um novo significado para a expressão “dar à luz”.
Sim,
os dirigentes têm conhecimentos das verdades, mas preferem as
cartilhas criadas pelos departamentos de propaganda e,
invariavelmente, punem quem pensa ou age diferente.
Sim,
quem não gosta de um determinado esporte não é normal, assim como
quem não tem a maior quantidade de experiências sexuais.
Especialmente no Brasil.
Aldous
Huxley é tão passado, que seria brochante não fosse o vigor do
texto. As 250 páginas são lidas como metade disto, num fôlego só.
* * *
A
trama?
Em
um futuro onde a razão substituiu tudo, onde os bebês são
produzidos em linhas de montagem para determinadas classes sociais,
onde Ford substituiu Deus, onde a droga da alienação
– o soma – é fornecida pelo Estado, temos o desenrolar de
um pequeno drama que envolve pessoas que estão deslocadas neste novo
mundo e que, se não prezam totalmente “os valores arcaicos”,
sentem falta de parte deles.
Um
casal em visita a uma Reserva – um gueto onde vivem os
incivilizados – descobrem um ser fruto do mundo civilizado, mas
criado ali. Ele não pertence a nenhum dos mundos, não se encaixa em
lugar algum e é convencido a ir à Londres do ano 634 dF
(depois de Ford).
* * *
Há
na trama aquela sensação de tragédia vindoura. Às vezes nota-se o
destino dos personagens com dezenas de páginas de antecedência, mas
há um interesse genuíno para saber quando capitularão.
Se o
texto não traz nada de novo para a sociedade atual, ao menos nos
alerta destes defeitos que temos e que não percebemos, ou percebemos
e não nos importamos.
Junto
com 1984 e Fahrenheit 451, estabelece uma tríade
básica das distopias e oferece visões sem a água com açúcar de
algumas das várias séries distópicas para adolescentes. Por sinal
os três livros, sem necessidade de sequências, oferecem mais por
mililitro de tinta negra que os litros nas páginas das aventuras
açucaradas dos novos tempos.
Uma
tríade que merece ser lida e divulgada.