Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley


Qualquer que fosse a surpresa de Admirável Mundo Novo o tempo encarregou-se de dissipar. Sim, as pessoas são dadas umas às outras e trocam de pares com a mesma frequência de que os personagens e os animais.

Sim, existe um “cinema sensorial” que com suas tramas grandiloquentes e maniqueístas substituem o prazer da leitura, e este coitado, o livro, virou peça de repugnâncias - (“Você aí com o livro nas mãos! Sai com as mãos na cabeça!”).

Sim, mães e pais perderam o valor como instituição e surgem como procriadores que parem e cedem o filho ao mundo, aproximando o ato de um novo significado para a expressão “dar à luz”.

Sim, os dirigentes têm conhecimentos das verdades, mas preferem as cartilhas criadas pelos departamentos de propaganda e, invariavelmente, punem quem pensa ou age diferente.

Sim, quem não gosta de um determinado esporte não é normal, assim como quem não tem a maior quantidade de experiências sexuais. Especialmente no Brasil.

Aldous Huxley é tão passado, que seria brochante não fosse o vigor do texto. As 250 páginas são lidas como metade disto, num fôlego só.

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A trama?

Em um futuro onde a razão substituiu tudo, onde os bebês são produzidos em linhas de montagem para determinadas classes sociais, onde Ford substituiu Deus, onde a droga da alienação – o soma – é fornecida pelo Estado, temos o desenrolar de um pequeno drama que envolve pessoas que estão deslocadas neste novo mundo e que, se não prezam totalmente “os valores arcaicos”, sentem falta de parte deles.

Um casal em visita a uma Reserva – um gueto onde vivem os incivilizados – descobrem um ser fruto do mundo civilizado, mas criado ali. Ele não pertence a nenhum dos mundos, não se encaixa em lugar algum e é convencido a ir à Londres do ano 634 dF (depois de Ford).

 
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Há na trama aquela sensação de tragédia vindoura. Às vezes nota-se o destino dos personagens com dezenas de páginas de antecedência, mas há um interesse genuíno para saber quando capitularão.

Se o texto não traz nada de novo para a sociedade atual, ao menos nos alerta destes defeitos que temos e que não percebemos, ou percebemos e não nos importamos.

Junto com 1984 e Fahrenheit 451, estabelece uma tríade básica das distopias e oferece visões sem a água com açúcar de algumas das várias séries distópicas para adolescentes. Por sinal os três livros, sem necessidade de sequências, oferecem mais por mililitro de tinta negra que os litros nas páginas das aventuras açucaradas dos novos tempos.

Uma tríade que merece ser lida e divulgada.