Pacificador (1988 e 2022), DC Comics e HBO Max


 

Houve um período na DC Comics logo após o final de Crise que algo que valia para uma semana poderia não valer para a semana seguinte (cito Neil Gaiman). A experiência de Roy Thomas em All-Star Squadron e viagens é semelhante: ele entregou o roteiro completo para a série e foi para a Europa com a informação de que a Trindade continuaria disponível para as histórias da série. Voltou e descobriu que não estavam mais.

Fazer séries, minisséries e participações especiais no período 1987-1990 era pisar em um terreno pantanoso, que poderia ser anulado em total ou corrigido em partes. Alguém falou “Poderosa”? Alguém falou em “Amanhecer Esmeralda”?

Então quando a dupla Paul Kupperberg (texto) & Tod Smith (arte), com finais de Pablo Marcos, assumiu a série ninguém estava preocupado realmente com um clássico. A trama é risível, por sinal. Um terrorista bem semelhante a qualquer vilão de filme de James Bond deseja acabar com a União Soviética e alimentar o caos que aconteceria em seguida para em pouco tempo ter seu próprio país. Dado o histórico real do que aconteceu com as ex-repúblicas soviéticas seria mais interessante que o Doutor Tzin-Tzin se tornasse político. Exagero? Vá ao Google e busque “Ucrânia”.

Para enfrentar este “nefasto” vilão uma think tank nos moldes das versões que existem desde os anos 1960, chamada “Instituto PAX” envia o ultraviolento e instável emocionalmente e psicologicamente Christopher Smith, o Pacificador o personagem capaz de fazer qualquer coisa pela paz, inclusive matar! Completamente esquizofrênico e com histórico militar “Pacificador” crê que a força é a melhor solução para os problemas, conversa com o pai falecido (um nazista colaborador do Eixo que se suicidou e abalou o filho) e não sabe que vive cercado por pessoas que ora o manipulam, ora o toleram. Sua secretária é uma psiquiatra, sua amante negocia sua presença em zonas de conflitos e sua “evolução” natural foi ser utilizado por Stein na Força Tarefa X, já que Kupperberg era autor de Cheque-Mate. Meses depois o personagem foi utilizado em tramas de arcos envolvendo as agências de espionagens ficcionais da DC Comics.

Publicado no Brasil em maio de 1991 na série DC Especial nº 6 da Editora Abril, as quatro edições representam bem o personagem e o fazem em um misto de, cito novamente, filme de Bond: mulheres sensuais, lutas em locações exóticas, vilões malignos e a ideia de salvar o mundo do mal. Kupperberg pisa em terreno minado já que Pacificador foi um dos personagens que serviram como inspiração para o amoral Comediante de Watchmen. Sem desejo de fazer uma trama complexa, o autor cria uma história por vezes simples – mas não simplista – onde ficam claro suas críticas ao modo de vida americano e a sua maneira de fazer política e interferir em outras nações. Pacificador faz parte do lote de personagens adquiridos da Charlton Comics (entre eles Besouro Azul, Questão, Capitão Átomo, Sombra da Noite, Mestre Judoka quase todos notas de rodapé na editora) mas no contexto do Universo DC de 1987-2011 sempre foi utilizado como um soldado violento e manipulável.

Sua utilização no filme “Esquadrão Suicida” (2021, James Gunn) não me surpreendeu porque havia um grande número de aventuras escritas por John Ostrander que poderia corroborar esta ideia. Já a série da HBO Max traz elementos inéditos (a mariposa que controla pessoas) com piadas explícitas e violência feita para agradar o “nerdie descolado” capaz de costurar as referências a personagens obscuros da caixa de brinquedos da DC. Longe de ser ruim, a série apresenta um homem manipulável sendo utilizado por uma agência que tem pouco apreço pela vida humana para a descobrir e encerrar uma conspiração. Disponibilizada em streaming em janeiro de 2.022 a série “Pacificador” reutiliza personagens do filme e acrescenta alguns para criar um show terrivelmente “torto” que funciona bem. Além da trama principal há a ideia do pai nazista (aqui um super-vilão), a presença de um Vigilante (tão boçal e extremamente violento quanto o personagem-título) e dos relacionamentos familiares entre pais e filhos.

Aconselho ambos, com restrições.