Os dias da peste


Os dias da peste de Fábio Fernandes (Tarja Editorial, 1ª edição, outubro de 2.009, São Paulo, ISBN 978-85-61541-18-7) faz uma narrativa imaginativa sobre uma possibilidade default dos leitores de ficção: e se os computadores desenvolvessem o raciocínio?

Por default digo que sempre houve no imaginário dos leitores a ideia do domínio pelas máquinas. Se a tecnologia do presente do conto (2010) não permite esta extrapolação máxima – robôs escravizando gente – consegue facilmente criar o medo de algo mais palpável: que as parafernálias tecnológicas que usamos desenvolvam consciência e passem a interagir conosco.

De ter consciência para exigir direitos é um pulo.

E deste pulo, para outro ainda maior, não é outro pulo; basta um passo.

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O autor usa recursos interessantes. Seu personagem principal, Arthur, é um professor universitário que presta serviços técnicos na área de informática, daí o convívio com a “peste” desde o primeiro momento em que as máquinas passam a apresentar sinal de consciência. Primeiro são tratadas como infectadas por um vírus, depois se entende que, por algum motivo, as máquinas desenvolveram status de sencientes. O motivo é inteligentemente oculto, mas as citações diretas à “Disque F para Frankestein” de Clarke deixam claro a suspeita. Eu, que já conhecia o conto, via semelhanças e fiquei surpreso quando o autor cita a fonte.

Outro recurso é que a história é narrada no futuro a partir do resgate de informações do blog do personagem principal, uma variação da literatura epistolar. Funciona e deixa a dúvida sobre o quê aconteceu ao fim do romance.

Fã de ficção, Fábio Fernandes reverencia e cita todos os autores da primeira linha e mesmo autores como Warren Ellis, que chegaram lá por caminhos tortuosos – afinal Transmetropolitan é cyberpunk e Planetary é quase inclassificável de tão cosmopolitana, mas ficção de primeira. E afinal o bom doutor já havia dito que sci-fi é o tema mais cosmopolita que existe.

O livro às vezes perde a velocidade por ser absolutamente didático, e poderia facilmente entrar em qualquer grade de bibliografia básica para um curso de ciências da computação ou cursos de tecnologia da informação. Outro detalhe é que Fernandes cita uma dúzia de livros básicos do gênero, além de uma dúzia e meia de autores. Os curiosos podem sentir-se iniciados aqui (mais um motivo para o livro estar em uma bibliografia básica e ser leitura obrigatório no primeiro semestre da faculdade).

Nada disso, porém, é impedimento para uma leitura saudável, divertida e rápida.