O eterno retorno

Ao longo dos anos vejo personagens irem e virem com uma facilidade tamanha.

Um morto nos quadrinhos só pode ser considerado assim quando seu corpo é exposto e preferencialmente autopsiado e adicionalmente exumado.

Explosões ou seqüências em que o personagem some não são garantias de morte.

Nada o é na verdade!

São sou contra os retornos. Quadrinhos de heróis apresentam um gênero de ficção onde um nobre de sentimentos luta incansavelmente contra os menos nobres até que expõe, normalmente pelo uso da força, sua visão do mundo.

Algumas mortes definitivas nos quadrinhos servem apenas para mostrar que não há retorno em alguns casos. Jim Wilson, sobrinho de Sam Wilson (o Falcão da cronologia do Capitão América) e parceiro do Hulk durante um período, morreu em decorrência da SIDA – Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida, ou a sigla em inglês, AIDS.

Capitão Mar-vell morreu de câncer. A história é tocante e serviu para o autor, Jim Starlin, exorcizar os sentimentos em relação ao luto pelo câncer que atingiu seu pai. Apesar de Mar-vell continuar morto a editora Marvel Comics tenta ao longo dos anos continuar a criar personagens que se apropriem da marca Captain Marvel, normalmente sem sucesso.

Nem sempre uma doença real e sem cura significa que o personagem vá morrer. Rick Jones, parceiro do Capitão Mar-vell ao ponto de trocar átomos com ele, teve o câncer que seu colega teve, mas foi curado. Se fosse o mundo real não seria, ainda mais com todo o histórico de envolvimento com radiação do personagem (ele foi parceiro do Hulk durante anos e mais de uma vez tornou-se um “outro” incrível Hulk).

Crise Final, maxi-série da DC Comics, atualmente sendo publicada no Brasil mostra que um personagem morto e enterrado pode voltar depois de muitos anos depois de atestada sua morte. Flash/Barry Allen (morto em Crise nas Infinitas Terras, 1985) retornou!

Não culpe a DC. A Marvel retornou com Sharon Carter (mais de uma década morta), Norman Osborn (22 anos) e Bucky (morto desde que se soube o destino do Capitão América em Avengers #4 de 1.964).

Se o retorno de Bucky rendeu uma boa história, isto não diminui a importância de um período de quase 42 anos morto!

O objetivo da morte nos quadrinhos
Ao longo de trinta anos de coleção encontrei pouco sentido em matar personagem, além, unicamente do hype nas vendas.

É somente isto leitor! Não pense em outra coisa. Eles querem atrair leitores dispostos a pagarem para ver um personagem morrer.

No mainstream só encontrei duas mortes distintas.

Na série autoral KURT BUSIEK’S ASTRO CITY, publicada pelo selo Homage da Wildstorm, um personagem vampiro morre sacrificando-se para deixar claro uma invasão alienígena. Porém, Busiek mata dois coelhos com uma só cajadada, pois deixa claro a função do parceiro-mirim, o sidekick. Confessor, o vampiro, tinha um parceiro-mirim de quem ocultava o assunto, mas o treinava, obviamente para substituí-lo. Algo que nos depois o menino, crescido, faz. A relação entre os dois é, claramente, baseada na relação Batman e Robin. Então faz muito sentido que o primeiro Robin, Richard “Dick” Grayson, torne-se um Batman (algo que já fez em dois momentos).

Na série SANDMAN, escrita por Neil Gaiman e publicada pela DC Comics, desde o primeiro momento há indicações que o personagem principal, uma criatura extremamente egoísta e depressiva vá morrer. Morpheus, o perpétuo, cura-se de seu egoísmo (parcialmente), mas julgando culpado por uma série de atos questionáveis permite-se ser assassinado, porque sabe como seus irmãos e os leitores, que caso a persona dele morra o Sonhar criaria outra persona para representá-lo. Isto não é surpresa por que ao longo das histórias sabe-se que havia ocorrido o mesmo com outro perpétuo. Não houve um hype em torno da morte de Morpheus/Sandman e nem críticas ao surgimento de Daniel/Sandman, por que era um desenrolar natural dos eventos e, em diversos momentos da série, sugerido como solução.

Recentemente vi que a o evento ULTIMATUM das séries Ultimate da Marvel Comics atingiu o universo/selo da editora e resolveram matar o Wolverine.

O Wolverine!

Você realmente acredita que possa haver um universo Marvel em que o Logan fique eternamente morto?

De duas, uma. Ou se retorna com o Logan ou logo toda a estrutura de narrativa montada para dar suporte ao selo/universo cairá por terra.

De certo modo, isso também vai de encontro aos interesses da empresa. Com a possibilidade do diretor Bryan Singer reiniciar a cine-série com foco em um período da academia, a editora vê com bons olhos terminar com o selo para então reiniciar um novo selo/universo quando as vendas das séries Ultimate (que não param de cair e continuam à taxa de 30% ao ano) chegarem abaixo das 30 mil unidades.

No fim é somente a isto que se presta uma morte na indústria de quadrinhos: criar uma atenção num personagem/série, lucrar e trazê-lo da morte para um dia, quem sabe... matá-lo novamente!


Somos normais

Em última análise, os leitores não se conformam com a impossibilidade do retorno de seus amigos e parentes reais que faleceram. A cada retorno de um personagem fictício é um solapo no rosto, provando que ficção é ficção e seu compromisso com a realidade é mínimo.

Em 06 de dezembro último, completou-se treze anos da morte de minha mãe. Se eu continuar vivo mais uma década, no ano de 2.020 (ou no mundo de 2020 – desculpem, não resisti) já terei vivido mais tempo sem ela do quê com ela.

Hoje, passados treze anos ainda me perco olhando pela janela no entardecer e lembrando dela. Lembro especialmente que o último diálogo que tivemos discutíamos a retirada do adamantium de Wolverine e o fato que ela gostava de histórias simples, rápidas, diretas, levemente violentas e achava que Logan poderia matar, mas Batman não!

Sim, na minha família o hábito de leitura passou de mãe para filho, e talvez eu consiga transmitir para minhas filhas (atualmente tenho duas, do primeiro casamento).

Ver o retorno dos personagens de ficção não me ofende, mas torna tudo muito irreal, além de reabrir a velha dor.

Mãe a saudade só aumenta e a dor não diminui com os anos. Não nos conformamos nunca!

Bonhos sonhos.