Vira e mexe alguém fala que o problema dos quadrinhos é o status quo inalterado ou inalterável. Este pode ser um dos problemas, mas realmente não deve ser classificado como “o” problema.
Vamos então por partes. Status quo é a posição imutável de alguns, quase todos, na verdade, personagens.
Passem 10, 20, 30 ou 100 edições, os X-Men ainda enfrentam Magneto e são acusados pela humanidade que os teme e os odeia. O Aranha continua essencialmente o mesmo, assim como a maior parte dos heróis.
Há mudanças que são relativamente simples. Superman se casou, o Aranha também, Batman tem um “novo” Robin e etc. e tal. O “novo” entre aspas é por que o Robin já está com Batman desde 1991 (18 anos!) e tem gente que não sabe. Pior: existe um Robin ainda mais recente, sequer publicado no Brasil.
Mas não importa muito quem está atrás da máscara, o importante é que o status de dupla dinâmica está presente.
Um bom exemplo de mudança é a fase de Grant Morrison à frente do título “New X-Men” (114 a 154). Morrison introduziu a mutação secundária, a destruição de Genosha, o retorno da Escola Xavier à sua função de “escola”, a droga porrada, os O-Men, solucionou muito dos mistérios envolvendo o projeto Arma X e terminou matando Magneto após um ataque à Nova Iorque que pode, no mínimo, ser chamado de “ataque terrorista”, apesar de um leve contexto de tentativa de domínio mundial tão próprio dos vilões de quadrinhos. Terminou sua fase, Morrison arrumou suas malas e foi embora.
Passaram a bola para um roteirista menor, o Chuck Austen, que a pedido da Marvel deixou as coisas que cara de ontem. Chris Claremont deu o ponto final na trama trazendo Magneto de volta na série “Excalibur”.
Ah... e o cara que Wolverine cortou a cabeça? Vou verificar qualquer dia (já que não li Excalibur ainda), mas acho que era um clone... ou algo assim...
Assim como os livros da série Jornada nas Estrelas, os quadrinhos não alteram os eventos drasticamente. Imagine se num livro Data fosse destruído, Piccard se sacrificasse ou qualquer outra coisa. Ao final do livro simplesmente o fato seria desfeito. Casamentos são admissíveis – apesar que antes de Invasão Skrull, já fazia muito tempo que não via referências ao fator que Johnny Storm era casado – mas mudanças de uniforme geralmente não.
Morrer nem se pense, já que renascer é certeza. Isto é tão certo que vou usar este meio para fazer duas “previsões”: 1ª) Gavião Arqueiro retorna ou será substituído por uma contraparte dimensional em, no máximo, cinco anos; (quando escrevi o artigo o Gavião Arqueiro ainda não havia voltado, e por isso decidi deixar) 2ª) Besouro Azul, idem, porém em 10 a 15 anos.
Mas por que isto acontece?
A principal razão é que as mudanças nos quadrinhos tendem a serem bruscas. Em 22 páginas Matt Murdock foi arrastado na lama, perdeu sua fortuna, seu nome e sua casa em “A queda de Murdock”.
Se alguém parou de comprar para ir para a faculdade e retornou no ano seguinte, já encontrou o personagem sensivelmente alterado. Grande parte destes leitores percebe que as mudanças são boas e compra as edições perdidas, assim como acompanha a nova fase. No entanto, quando as mudanças são ruins o mais comum (e talvez o certo) é o quê se faz. Ou seja, retorna o personagem ao status qüo, ao que era antes das modificações. Com o Demolidor, este retorno já aconteceu, no mínimo duas vezes.
Observe que esta mudança brusca é um dos pontos criticados em Watchmen de Alan Moore/Dave Gibbons. O autor gasta trocentas páginas criando o clima, o suspense, apresentando os personagens e de repente... fim!
Outra coisa é a influência das mídias. Superman perdeu seu pai adotivo pouco antes de começar a agir como vigilante. O fato esteve presente na cronologia entre 1938 até 1986, além de ter relevância no filme de 1978 e no atual. Em 1987 o personagem foi reformulado e seu pai adotivo permaneceu vivo, para que se desse espaço ao homem presente em Superhomem. Em Lois & Clark: As aventuras do Superman, constantemente há as visitas do casal Kent à Clark, já que um dos autores da série só leu histórias posteriores à 1987 quando foi preparar a “bíblia de referências da série”. Nesta série, assim como nos quadrinhos de então, Luthor só conheceu Clark e o Superman em Metropolis, e era visivelmente alguns anos mais velho.
Em Smallville, Jonathan Kent volta a morrer. Morreu no episódio 100 do quinto ano da série. Com o “reforço” do filme Superman Returns, demorou até muito para que o velho Jonathan morresse novamente nos quadrinhos. Uma pena. Pior que um pai eterno é uma morte sem sentido.
Um dos culpados pelo status quo é o público que deseja comprar aquilo que é semelhante a aquilo que ele vê ou acha que conhece. Para misturar um pouco os fatos: um Homem-Aranha com uniforme metálico, com um bom emprego, casado e com identidade pública e muito diferente do Aranha com uniforme tradicional, sempre sofrendo nas mãos de Jonah, sem dinheiro e tendo que cuidar da doente Tia May. Quando isto acontece com sucesso o público aplaude, mas não deixa de estranhar; e quando, infelizmente dá errado, simplesmente volta-se ao status quo.