É
impossível ler O tempo e o vento sem saborear de imediato as
palavras, as métricas, as frases, os clichês e a sensação de
tragédia do romance.
Fictício,
O tempo e o vento é dividido em três partes O continente
(publicado em 1949), O retrato (publicado em 1951) e O
arquipélago (publicado em 1961-62) e narra através de seus
personagens a história da formação do Rio Grande do Sul desde as
guerras missionárias, passando pela Revolução Farroupilha e
chegando até a Revolução Federalista na década de 1890.
Érico
Veríssimo tem uma narrativa impecável e uma preocupação, se não
original, ao mesmo elegante. Tolkien em O senhor dos anéis
queria unificar lendas do continente europeu; Érico queria construir
a história d'um canto de mundo pela ótica de sua gente humilde,
simples, birrenta. Este é o povo de Santa Fé: teimoso como mula e
sempre pronto para amar, guerrear e festejar.
Os
dois volumes de O continente somam 800 páginas que narram sete
passagens: A fonte, Ana Terra, Um certo Capitão
Rodrigo, estes três no primeiro volume e A teiniaguá, A
guerra, Ismália Caré estes três no segundo volume e
iniciando, entrecortando as histórias e finalizando o volume, O
sobrado. Pelas adaptações para TV – novela e série – e
cinema é comum confundir a trama total – O tempo e o vento – com
sua primeira parte – O continente. A história é maior e mais
saborosa.
Há
na história um sabor de Macondo, e um leve toque do sobrenatural,
pincelado de forma energética do início nas visões de Pedro
Missioneiro e em menor estágio nas visões de Ana Terra e
de seu filho Pedro. Tão repentinamente quanto surgia o
sobrenatural desaparece por completo, e poderia facilmente receber o
epíteto de “realismo fantástico” - os jovens mudam o nome das
coisas.
Quando
o ritmo já estava bom, mas a cadência parecia que se repetiria, eis
que surge o Capitão Rodrigo um homem… comum! E por isso
mesmo, especial!
O
que impressiona em Rodrigo Cambará não são as bravatas nem a
paixão com que fazia as coisas, mas é que tudo nele tem cheiro –
repito-me – de tragédia anunciada.
Homem
como outros de seu tempo, Rodrigo gostava da vida, queria poucas
obrigações e, no processo, uma rapariga para passar alguns
momentos. Encontrou e se apaixonou por uma moça, mas nunca foi
marido que preste. Seu destino é previsível e nos divertimos em ver
a desgraça alheia. E nos identificamos, glorificando os momentos
heroicos e lamentando os momentos por demasiado humanos. Afinal temos
vergonha de nos refletirmos tanto em tal personagem.
Daí
o narrador brinca novamente conosco. Cria a figura do estrangeiro
Carl Winter para narrar grande parte dos eventos. Ao ver nossa
história narrada por um estrangeiro entendemos qual estranho devemos
ser aos seus olhos, especialmente no século XIX.
Winter
não é um narrador onisciente, mas cabe a ele a narrativa de
momentos importantes de A teiniaguá, A guerra e Ismália Caré, que
contam a história de Bibiana Terra Cambará, seu filho Bolivar,
a nora Luzia Silva e, em seguida, o neto Licurgo Terra
Cambará.
Nuns
momentos roubam a atenção e ganham luz própria a loucura doentia
de Luzia e sua guerra muda com a sogra; noutros as figuras de Winter
ou do padre Atílio Romano
ambos excêntricos,
ou ainda a história de fortuna e tragédia da burguesia ascendente
representado ora pelos Amarais, ora por Aguinaldo Silva. Há contra
este último um ressentimento tão comum contra o usurário. Já o
Amarais não tem muito espaço, pois cabe a eles o papel de “vilão”
e da indiferença do grande proprietário de terra avesso a mudanças.
Além do ódio entre estes e os Terra Cambará.
Em
certo momento Veríssimo brinca conosco novamente e faz de Ismália,
apenas uma coadjuvante no máximo terciária, que surge só para
complementar a narrativa do personagem principal Licurgo, o nome de
uma seção da trama. Ismália Caré entra muda, sai calada mas é
imprescindível à história. Para quê? Julgar Licurgo e seu
caráter.
Há
em Bibiana Terra Cambará, Carl Winter e em um capataz chamado
Fandango um pragmatismo saboroso, próprio dos velhos. Sabendo que
Bibiana foi interpretada pela atriz Fernanda Montenegro na adaptação
cinematográfica recente amplia-se o interesse em ver a história
vertida para cinema, ainda que se saiba de antemão o foco que o
filme dá.
Há
em Rodrigo, Bólivar e Licurgo uma teimosia própria dos jovens. Uma
ansiedade, uma urgência. Uma humanidade!
Se,
em alguns momentos é impossível não lembrar de Macondo, noutros
faz-se igualmente impossível não trazer à tona em momentos febris
Crime & Castigo. Em nenhum, no entanto, há cópia. Existe algo
sim, que lembra a homenagem em maior ou menor tom.
Veríssimo
constrói um romance saboroso, com personagens críveis e
apaixonantes.
Uma
leitura se não obrigatória (o quê realmente o é?); no mínimo
necessária!