E o
mais engraçado é que até o início de 2.011 eu não conhecia o
trabalho de George R R Martin. Exceto… uma memória
longínqua de… Wild Cards.
Sim,
é verdade que o Brasil não tem uma longa tradição de publicações
de ficção científica. Ícones foram e são publicados e
republicados há décadas, mas há pouco dos autores novos. China
Melville é um destes casos: conhecido lá fora, aqui é um
simpático anônimo.
Mas
voltando à Martin, eu me lembro com intensidade quando a DEVIR
lançou GURPS, o RPG genérico de Steve Jackson e um de
seus suplementos era o WILD CARDS. A editora Globo logo
lançou uma minissérie do selo EPIC/Marvel que tinha um
formato estranho: vários personagens, cada um com um
artista/desenhista distinto, semelhante a uma série do Badger
– que era louco, tinha múltiplas personalidades e cada uma delas
um desenhista.
Tristemente,
junto com dezenas de outros bons conceitos a série em quadrinhos foi
para o fundo de meus armários e raramente saiu de lá. Confesso que
nunca a li até mais de vinte anos depois do lançamento.
O
tempo passou. A HBO fez um contrato para adaptar uma série de
fantasia do autor de sci-fi George R R Martin e o
editor Raphael Dracon convenceu a Leya a comprar a
série de livros As crônicas de gelo e fogo que se tornou um
sucesso no mercado editorial brasileiro, com mais de 150 mil cópias
vendidas de cada um dos cinco livros.
Logo
vieram A morte da luz, a promessa de Fever Dream (um livro de vampiros), coletâneas de sci-fi e fantasia, O cavaleiro dos sete reinos e finalmente a série Wild Cards,
no momento em que a série já possui 22 volumes!
* * *
O
primeiro verdadeiro romance mosaico da série, Apostas Mortais
(Jokers Wild) o terceiro volume de Wild Cards, ocorre no
espaço de 24 horas no dia 15 de setembro de 1.986, quarenta
anos após a infecção do vírus alienígena.
Há
no romance seis histórias principais: Jack e Nômada à
procura de uma sobrinha que veio do interior e está perdida em
Manhattan; a história de uma promotora de justiça, amiga de Nômada
que crê que poderá controlar a Máfia e sua herança, que renegou
durante anos; Ira a ladra intangível que roubou o diário de
um criminoso importante, e por isso será perseguida e cruzará o
caminho com o Yeoman; Hiram Worchester e Jay
Ackroyd, o primeiro organizando a festa dos quarenta anos em seu
restaurante e percebendo o poder criminoso agir em seus fornecedores
e o segundo, contratado por Hiram para descobrir quem realmente é o
responsável por aqueles ataques. Estas tramas, todas muito “pé no
chão” tem pouca relação com o grande vilão do trio de livros,
exceto o cenário.
Evidentemente
as histórias principais ficam por último. Dr Tachyon é
seduzido por Roleta durante todo o dia, agindo como mero
coadjuvante, enquanto ela tem a missão de matá-lo, usando um veneno
expelido no ato sexual. James Spector, assassino contratado
pelo grande vilão, assim como Roleta, tem várias missões e
praticamente se encontra com todas as tramas, enquanto constrói a
sua própria. Como Roleta, ele teme o Astrônomo e por isso aceita
suas imposições. Sua trama é uma longa comédia de erros e ainda
que eu o visualize como o Lápide (vilão do Homem-Aranha,
um negro albino, extremamente resistente, quase invulnerável e com
cara de poucos amigos), em certos momentos seu material é o mais
engraçado do volume, pois com ele acontece tudo de ruim, e o leitor
sempre quer mais desgraças para ele, ainda que deseje que ele viva.
E,
por fim, a história que toma a capa da edição: Fortunato, o
cafetão de gueixas, com seus poderes alimentados por sexo (tântrico
ou não) tem que encontrar, reunir e proteger os ases que auxiliaram
na destruição do mosteiro no volume 2, pois o Astrônomo
pretende matar todos os ases e curingas que conseguir e rumar para o
espaço na nave de Tachyon. Não aceitando colaborar e trocar
informações, Fortunato é “cego” ao seu modo: odeia Tachyon;
usa Hiram, mas nega detalhes. Sua miopia, quando descoberta o faz
perceber seus erros.
George
R R Martin então edita o texto de Melinda M. Snodgrass,
Leanne C. Harper, Walton Simons, Lewis Shiner,
John J. Miller, Edward Bryant e seu próprio e consegue
criar o terceiro e melhor volume até o momento. As histórias
contadas como um romance mosaico, ou seja, misturadas, tramas
entrecortadas, funcionam melhor do que os contos individuais narrados
em um cenário único. Todas as tramas são boas, ainda que
pessoalmente tenha minhas preferidas e minhas preteridas – a ideia
de um curinga crocodilo que engole um conjunto de livros, volta à
forma humana, não os digere e retorna à forma de crocodilo para
regurgitá-los me parece forçada, assim como a previsível história
da mafiosa que vai para a justiça para renegar a famiglia e
depois retorna para ela, acreditando que será possível controlá-la,
não me parece nada mais, nada menos do que o óbvio.
De
todos os personagens se sobressaem Tachyon, Fortunato e Spector
(Ceifador). Tachyon, no entanto, consegue ser mais forte: ele é um
coadjuvante de luxo na trama de Roleta, mas é tão fascinante que
rouba a cena cada vez que aparece. Ceifador é o criminoso cheio de
atos condenáveis, mas que queremos que sobreviva ao fim do mundo
prometido pelo seu patrão e Fortunato, bem… Fortunato é “o
negão que come todas” e fica mais poderoso a cada relação, se
preparando evidentemente para um final apoteótico que o leva a um
novo nível de compreensão.
Bem
escrito e editado, ao ponto que não ser possível ver a ruptura
entre os autores, mesmo sabendo quem escreveu o quê, Apostas
Mortais se torna o melhor da primeira tríade de livros e amplia
bastante a minha nota geral para a série.
Aconselho
imensamente.
Wild
Cards Livro 3 Apostas Mortais, Leya, maio de 2014, ISBN
978-85-441-0018-9, editado por George R R Martin e
escritor por Melinda M. Snodgrass, Leanne C. Harper,
Walton Simons, Lewis Shiner, John J. Miller,
Edward Bryant e George R R Martin.