Lira Neto consegue
antes de chegar ao terço inicial do primeiro volume, deixar claro à
percepção de seu leitor que Getúlio Dorneles Vargas era um
político pragmático e servil às lideranças do partido e
compromissos de honra e propriedade com sua família e região.
Com isso consegue
desconstruir o mito, capítulo a capítulo, deixando ao leitor, não
um ser humano que não fosse merecedor que atenção, mas uma pessoa
que vindo que uma família de recursos aproveitou todos as
oportunidades para chegar ao Poder e estar nele. Neste primeiro
momento “ele não
aparece hábil para costurar alianças” – uma frase
clichê para biografias de políticos – mas apenas em analisar quem
se perpetuará no poder e a partir daí passa a apoiá-lo. Conhecendo
os atuais políticos brasileiros, quase nada me surpreende, apesar
de, devo confessar, saborear uma biografia bem construída e disposta
a construir um painel adequado do homem.
Em certo momento
impressiona que Getúlio seja positivista e darwinista, assim como o
discurso contra o cristianismo, mas evidentemente estas posições se
perdem na criação de uma imagem paternalista que o estado passa a
divulgar especialmente após sua chegada ao poder.
No entorno surgem figuras
curiosas como seu pai e seus irmãos, mas um personagem merecedor de
igual atenção é Borges de Medeiros o “dono”
do Partido Republicano do Rio Grande do Sul e ora fraternal
conselheiro, ora um pusilânime desafeto. Mestre e boneco, invertem
em diversos momentos os papéis, com clara desvantagem para Medeiros,
já com saúde irregular. Em dado momento, após as divergências
comuns à política, a coerência de Vargas está em se apresentar
para Medeiros como seu sucessor natural disposto a seguir seus
conselhos.
De político
inexpressivo, com discurso centrado na retórica a governador do
estado do Rio Grande do Sul, que rompe com a política do café com
leite apenas por pressão de MG e ainda assim, tenta negociar com
todos os lados possíveis, o livro encerra com a chegada ao poder,
resultado de uma revolução por não aceitar os resultados das
urnas. As eleições eram fraudulentas? Assim também o eram as
eleições no Rio Grande do Sul, “conferidas” por ele.
Vale a pena ler e
acompanhar a trilogia do jornalista Lira Neto, que teve como fonte os
diários pessoais de Vargas e consegue construir um quadro competente
do personagem e da sociedade brasileira.
Getúlio: dos anos de
formação à conquista do poder (1882-1930), Lira Neto,
1ª edição, São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ISBN
978-85-359-2093-2.