Superman, 10 histórias, 1: Alan Moore ou As canções que você fez para mim

Alan Moore não é meu escritor preferido e não tem uma atitude, em geral, que eu elogie. Faz-me lembrar o Jor-El retratado por ele próprio. Mas, mesmo não sendo meu escritor preferido, entendo que ele é um excepcional escritor, criador de textos únicos, envolventes e que permanecem no imaginário do leitor mesmo depois de fechada a edição.

Ele escreveu algumas histórias para o Superman – e muitas para o Supremo, nada mais do que o Superman com outro nome e que valem (muito) a pena serem lidas – que a Panini Comics reeditou recentemente em um encadernado de capa dura com distribuição nacional.

As histórias são: O que aconteceu ao homem do amanhã?, originalmente publicada em Superman #423 e Action Comics #583 (ambas de setembro de 1986); A linha da selva publicada em DC Comics Presents #85 (setembro de 1985) e em Superman Annual # 11 (janeiro de 1985) nos brindou com Para o homem que tem tudo – já adaptada para uma animação na série da Liga da Justiça.

Exceção feita a A linha da selva, publicada em uma série de encontros – aqui um encontro com o Monstro do Pântano – as histórias são clássicas e se empatam em qualquer lista de 10 histórias do Superman.


[Para o homem que tem tudo]
A história é uma ode de amor ao herói e ao sonho de um mundo perfeito, inalcançável.

Superman é vítima de Mongul exatamente no dia de seu aniversário e delirante, vê-se diante de uma Krypton que não explodiu e onde se casou com Lyla Lerrol, a atriz de O retorno para Krypton.

Seu pai tornou-se um homem transtornado, um cientista que perdeu sua fé maior – a ciência – e se tornou um fundamentalista apocalíptico rançoso e odioso, como se tornam muitos homens de ciência quando convertidos para a fé.

O “presente” de Mongul tira de Kal-El a ilusão de uma sobrevida agradável em seu mundo natal caso não houvesse a destruição. Esta é a ira do herói. Seu cérebro “superior” sugestionado por uma planta tóxica conseguiu calcular como seria o impacto desta sobrevida em seu mundo e as possibilidades não são favoráveis.

Imagine o herói que, como todo filho órfão, ama profundamente seu pai, vê-lo envelhecer irado com o seu “fracasso” - já que Krypton não foi destruído. E vá além, já que intimamente o herói sabe que a razão da falha de seu pai é ele próprio. Ele sabe que o pai estava certo e que Krypton permanece apenas por causa dele.

Cheio de citações à cronologia de Krypton, a história permite várias leituras e mesmo a mais simplista, que é sobre o herói e seus amigos mais próximos enfrentando uma ameaça alienígena no dia de seu aniversário, empolga. A arte de Dave Gibbons torna a aventura um clássico!


[O que aconteceu ao homem do amanhã?]
Um dos “apelidos” do Superman é “homem do amanhã”, ainda que a Panini Comics tenha convertida a tradução da história para O que aconteceu ao homem de aço?, seu apelido mais conhecido.

Quando o universo pré Crise da editora (1935-1986) estava sendo encerrado para dar espaço a uma renovação editorial, Moore foi convocado para escrever a última história do herói. Publicada em duas partes nas séries mensais Superman e Action Comics a trama foi desenhada por Curt Swan (artista de longa data do herói) e finalizada por George Pérez e Kurt Schaffenberger, com direito a simbiose perfeita SwanAnderson (Curt Swan + Murphy Anderson) como autores da capa de Action Comics – recriada por Brian Bolland para o encadernado ora publicado. Em minha opinião, não tão humilde, só é sentida a falta do traço de José Luiz Garcia Lopez, aquele que creio ser o melhor artista do herói em todos os tempos.

Sua importância como última história do herói, sua poesia, a maneira em que toca em aspectos que são caros ao personagem de então, como sua influência na Legião dos Super-Heróis, a sua identidade secreta, seus amigos e seu “romance” com Lana Lang e Lois Lane – e a maneira como escolheu resolver a questão enquanto as duas estavam presentes – tudo isto transforma O que aconteceu ao homem de aço? a melhor história do herói de todos os tempos. O respeito de Alan Moore ao tratar do assunto, a narrativa característica que emula os conceitos apresentados no período e o choque que provoca a solução da trata são adequados e mesmo 27 anos depois da sua publicação original ainda impressionam!

No fim, tem-se a certeza de que a solução que John Byrne usaria dois anos à frente para uma trama envolvendo kryptonianos era impossível! Superman não mata! E mesmo se inadvertidamente o fizer, ele irá se penalizar pelo fato.

Superman é um símbolo, uma utopia. Ele é o ser humano perfeito, “o homem do amanhã”. Sendo isto sempre encontrará outras saídas para seus dilemas morais que não sejam a morte de seus opositores. Sim, é certo que esta história termina com a morte de seu inimigo maior – e não nos foge a vista ser esta criatura um ser místico – mas o herói se arrepende de ter tido a intenção de matá-lo!

Do fruto do arrependimento nasce a expiação máxima para ele: perder seus poderes e (talvez) morrer como um humano vagando na imensidão gélida próxima de sua Fortaleza da Solidão.

Cheio de elementos visuais que lembram a longa trajetória do Superman até então, a história nos faz encarrar como somos hipócritas e sorridentes ao assassínio produzido pelos justiceiros que infestaram o mercado de quadrinhos desde então.

(Curiosamente um dos maiores defensores do Superman que não mata, Jeph Loeb, é responsável por um dos filmes que cimentou na indústria de cinema o visual do “justiceiro moderno”, Comando para matar)

Pense bem: um ser humano perfeito não deveria sempre encontrar uma solução para deter “seus” criminosos sem que isso custe a vida deles?

Leia, releia e leia novamente. Eternamente.

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A edição da Panini Comics (ISBN 978-85-6548-449-7, 2013) consegue ser perfeita em custo/benefício. São 132 páginas em capa dura a apenas R$ 19,90 e eternizam toda a produção do escritor Alan Moore, famoso por ter escrito Watchmen, V de Vingança, Do Inferno e A Liga dos Cavaleiros Extraordinários, com o herói.

O senão fica por conta da desnecessária adaptação do título do encadernado e da história, originalmente “O quê aconteceu ao homem do amanhã?”. Venderia menos se tivesse seu título original? Com uma capa como esta, alguém se confundiria com o fato de ter uma história do Superman?