Software Livre, a fronteira final: o usuário doméstico

É impossível contestar que as tecnologias envolvidas no software livre/código aberto (SL/CA) são superiores às envolvidas no software proprietário. O mercado de servidos que o diga.

Mas nota-se um esforço não tão silencioso assim para que o mercado de usuário doméstico continue do jeito que está: atestando a supremacia do software proprietário.

Por mais que se deseje construir sistemas que funcionem bem via linhas de comando, os desenvolvedores dos sistemas operacionais SL/CA têm que assumir que o usuário padrão teme isto mais que o diabo teme a cruz. Iniciar qualquer explicação como “Clique em terminal, faça o login como administrador...” dá um nó no raciocínio do usuário comum que impossibilita-o de dar seqüência. Se ele decidir contratar alguém para fazer a instalação para ele, tanto pior, pois diante das dificuldades que por ventura irá enfrentar o “instalador” aconselha trabalhar com uma tecnologia que já conhece. Convenhamos que é mais prático, já que a estrutura de pastas, arquivos, comandos e erros mais comuns desta linha de software já é de seu conhecimento e ele saberá como resolver.

Para que se conquiste o usuário doméstico é necessário mudar o paradigma e fazer publicidades e parcerias. O software livre não tem dinheiro para isso!

Alterar o quê não funciona
O software livre cresce silenciosamente em várias frentes e todos elogiam os produtos a que tem contato. Mas algumas coisas impedem um crescimento ainda maior. Um dos exemplos é a instalação de programas.

Semana passada instalei o “Blender” (software para animação 3D) em minha máquina, mas queria usar em outra que não tem acesso Internet. Problema 1. Depois de ler alguma literatura descobrir que os arquivos eram gravados em uma pasta e que era possível copiar os arquivos para outra máquina e executar a instalação. Sim, tive algumas dificuldades, pois alguns pacotes já haviam sido baixados e instalados em meu computador e por isso o download do pacote do Blender não os previu. Na nova máquina, o erro obrigou a baixar manualmente os pacotes requeridos e ir aos poucos copiando os pacotes, algo diga-se de passagem chato. Mas não desisti. Sabia intuitivamente que deveria haver uma forma de resolver a questão e busquei a resposta.

O mais certo é que este modelo de instalação deveria passar por um re-estudo de modo que seja possível ao usuário copiar facilmente todos os pacotes que compõem uma aplicação para outra máquina. O modelo atual privilegia a programação descentralizada utilizando pacotes desenvolvidos pela comunidade, de modo a que ao instalar um software qualquer o próprio processo escolha o pacote mais recente para seu perfil (seja a máquina, seja o software). Mas juntar os pacotes de instalação com o mínimo requerido poderia ser uma possibilidade para facilitar a disseminação. E não pense que todos tem acesso à Internet, por que não é verdade.

Pense no jovem de origem humilde, que comprou o computador com dificuldade. Por opção decidiu o SL/CA. Ele só faz o acesso na lan house e usa o pen drive para copiar arquivos para sua própria máquina. Um pacote – talvez um arquivo compactado – com todos os pacotes necessários seria uma mão na roda. Hum... mas e quem tem acesso à rede e já tem parte dos pacotes instalados? Teria que fazer o download de tudo novamente? Simples, em termos, criemos uma nova opção para o comando apt-get, uma opção barra alguma coisa que iria baixar e agregar todos os pacotes, facilitando assim a vida do usuário comum.

O cliente e sua necessidade
Aí está o problema do desenvolvedor de software, especialmente o desenvolvedor de software deste nível: ele acredita que é possível as pessoas aprenderem facilmente alguns comandos. O cursor piscante do shell dos sistemas operacionais é uma dificuldade especial para quem não teve contato com MS-DOS ou UNIX.

O usuário comum de computador é aquele que usa um sistema operacional, uma suite de escritório e um navegador de internet. Nem cliente de e-mail ele usa (“Dá trabalho para configurar!”), preferindo o processamento e armazenamento das mensagens nas nuvens. Com este modelo ele já está acostumado.

É certo que a união Ubuntu, BrOffice e Mozilla Firefox supre esta demanda, mas surge o tempo ocioso da máquina.

É neste tempo que surgem as necessidades dos usuários. Coisas triviais como Skype (tem versão para Ubuntu) e MSN (tem o programa aMSN, que chega a copiar um skin idêntico ao programa proprietário) são facilmente resolvidas apenas quando os usuários sabem da existência destes softwares. Gravadores de DVD/CD (K3B) ou programas player de música MP3 (Rhythmbox) compõem facilmente o conjunto de programas necessários para os usuários. Para aqueles que gostam de manipular imagens o GIMP substitui facilmente o PhotoShop, e tinha uma facilidade adicional que vinha por padrão na instalação do Ubuntu até a versão 9.10.

A linha de raciocínio que quero compartilhar com os usuários e desenvolvedores de SL/CA é que não devemos pressupor uma inteligência especial para o usuário. Devemos produzir telas amigáveis que permitam que o processo de instalação se desenvolva da maneira mais tranqüila possível, e que, na medida do possível se automatize ao máximo. Assim a transição de uma plataforma de software proprietário para outra com SL/CA será possível.

Dos SL/CA o que mais se aproxima realmente desta realidade é o Ubuntu, com seu ambiente amigável e facilidade de instalações adicionais, ainda que haja muitas limitações e alguns recursos técnicos necessitem de linhas de comando digitadas no terminal.

Temos que repensar nosso papel como desenvolvedores e responder a questão sobre quem queremos como usuários. Uma meia dúzia global de gênios ou ter uma estação com SL/CA em cada computador do planeta.

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Este artigo foi publicado na Revista Espírito Livre #18. Faça o download da edição aqui.
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