A vida compartilhada em uma admirável órbita fechada de Becky Chambers (2018, Darkseid)

Becky Chambers entrega um livro sobre busca de identidade (e gênero, também) e o seu lugar na família que constrói. Faz isto com elegância e uma leitura superficial não vê o livro identitário que de fato é.

Na trama a inteligência artificial da nave Andarilha é deixada aos cuidados de Sálvia e Azul, que a instalam em um kit que é um corpo artificial, com todas as funcionalidades de modo que pareça um ser humano padrão, para evitar problemas legais, visto que este procedimento é considerado um crime. Mas “Sidra” tem dificuldades de encontrar seu lugar no mundo e conviver em seu corpo limitado. Em determinados momentos tem problemas em apagar memórias, visto que sua capacidade de armazenamento é “pequena”. É um conflito real, ainda que romanceado: a busca para guardar, catalogar e indexar todos os bons momentos de uma vida de modo a sempre estar vinculado a eles. Em outros acha que aquele não é o seu corpo de fato.

A trama de “Sidra” é entrecortada por capítulos que narram como a criança Jane, uma catadora de lixo em um planeta que acumula este resíduo é encontrada e acolhida por outra i.a. chamada de “Coruja”. Chambers trata o plot com elegância mas tudo deixa claro que é um planeta-lixo e uma raça de catadoras clonadas em série, cuidadas por uma linha de “Mães” robôs que as mantêm com o mínimo necessário para sua subsistência e não pensam duas vezes em puni-las, em alguns casos, definitivamente.

Um pouco arrastado no início, mas o tom do livro muda no terço final, o que melhora sensivelmente quando o leitor descobre que é uma alegoria sobre famílias e convivência harmônica entre seres, onde cada um quer seu espaço e conviver com aqueles que lhe são caros.

Darkside.

ISBN 978-8594-541215. 320 pgs.