Grant Morrison é
certamente um dos melhores roteiristas da indústria. Cheio de
energia, faz trabalhos antológicos e alguns muito pessoais como Os
Invisíveis, que é a narrativa de uma célula terrorista contra
seres que controlam o sistema. Lisérgico.
Em Batman,
Morrison produziu histórias para um mito, algo que ele tinha deixado
claro em pequenas partes como Gothic, um dos primeiros Legends
of the dark knight, com arte de Klaus Janson,
e em grande parte na passagem na série JLA,
uma série para a Liga da Justiça da América
que depois de muitos anos reuniria os grandes personagens da editora
na equipe. Num dos arcos desta série, praticamente sozinho, o
homem-morcego faz a diferença contra uma invasão alienígena.
O
super-time de escritores
Quando, no início do
século, ouvi falar que Morrison, Mark Waid, Tom Peyer
e Mark Millar iriam trabalhar nos quatro títulos do homem de
aço de então (Action Comics, Superman, Man of
Steel e Adventures of Superman), fiquei animado, mas devo
confessar que o quê eu queria ver era o Superman de Waid,
escritor que admirava muito pela sua passagem em Flash,
narrando histórias de Wally West. Millar ainda não era uma
referência e nem tinha feito The Ultimates,
apesar de já ter escrito o herói na série que adaptava o universo
animated
para o quadrinhos – recentemente relançada pela Editora Abril,
veja aqui. Tom Peyer me era desconhecido, já que sua série
de referência, Hour Man, é inédita no Brasil. Morrison eu
conhecia por Homem-Animal, a Liga, Os Invisíveis e Gothic.
Achava uma combinação esquisita, um time estranho.
A DC, no entanto, tomou
uma outra decisão e manteve uma equipe liberada por Jeph Loeb
e que teve uma brevíssima participação de Millar apenas como
fill-in (escritor substituto). Num release a editora comunicou
que não queria astros nas aventuras do seu maior herói, o quê
gerou um mal estar em relação às equipes contratadas (não seriam
estrelas) e acabou provocando um racha, levando para a concorrente
alguns membros do “super-time”. Mesmo assim houve histórias
relevantes e inclusive é deste período uma das melhores histórias
do herói kryptoniano (citar a história).
Millar e Morrison foram
para a Marvel. A editora estava em ascensão por causa do selo Marvel
Ultimate que foi concebido por Joe Quesada, Mark Millar, Brian M.
Bendis e Morrison. Este último nunca chegou a realmente trabalhar no
selo, mas sempre se comentou a boca pequena que sua série Marvel Boy
foi o embrião de todo o Ultiverso. Como mais recentemente o
personagem foi definitivamente incorporado no Universo 616 (o
universo tradicional da Marvel) muita gente esqueceu sua origem.
Morrison fez New
X-Men (que a Panini está reeditando em encadernados bissextos) e
depois retornou para a DC Comics, trabalhando na série Batman desde
2.006. Neste meio tempo além da série principal do cruzado
encapuzado fez Crise Final, O retorno de Bruce Wayne,
Batman & Robin e Batman Inc –
esta última, prestes a ser lançada no Brasil. Waid e Peyer
estiveram envolvidos em produções e também escreveram histórias.
Waid chegou a escrever uma nova origem para o Superman, que fez
bastante sucesso em seu lançamento, sendo inspirada pela releitura
provocada pela série de TV Smallville,
que resgatava versões anteriores do herói, como um período de
amizade com Lex Luthor
durante a adolescência.
Por
fim, escrevendo o homem do amanhã
Morrison fez um
trabalho emocionante em All-Star Superman, uma ode de amor a
toda a tradição do herói, mas que não deixou de apresentar alguns
conceitos difíceis. Tão difíceis que foram retirados quando Dwayne
McDuffie adaptou a obra para animação. Livre da cronologia recente
do homem do amanhã, ou melhor, livre de qualquer cronologia Morrison
influenciou novamente a indústria e permitiu criar o cenário
perfeito para Geoff Johns, Kurt Busiek e James
Robinson criarem histórias mais simples e Johns, em especial,
criar o longo arco Novo Krypton, encerrado definitivamente mês
passado aqui no Brasil.
Em Novo Krypton, um dos
mitos mais antigos do homem de aço, a Cidade Engarrafada de
Kandor retorna à Terra e traz a ameaça de Brainiac, além
de toda uma tensão político-militar em função de haver 100 mil
supermen na Terra. O arco iniciado por Johns foi continuado
por James Robinson, Sterling Gates e Greg Rucka, e
infelizmente, devido à grandiosidade do evento e várias séries
sendo publicadas em formato cross-over do meio para o fim
muito do material é dispensável. Curiosamente a preparação do
terreno é interessante, mas os desdobramentos e várias tramas sem
um bom desenvolvimento cansam.
Vendo a recém-lançada
The New 52: Action Comics #03, observo que em teoria, Geoff
Johns e Grant Morrison, usam uma ideia que eu vi primeiro em Superman
Adventures, uma das séries de animação produzidas por Bruce
Timm – mas certamente leitores mais antigos podem verificar se
há indicíos da trama em aventuras em papel do herói. Em Superman
Adventures e a partir de agora em The New 52: Action Comics é
Brainiac o responsável pela destruição de Krypton,
um planeta de núcleo instável, onde após sugar toda a informação
disponível da cultura, a consciência artificial de Brainiac ou
deixa de cuidar do planeta ou inicia o processo de destruição.
Colecionando sobreviventes, como a Cidade Engarrafada de Kandor
(presente em All-Star Superman e a razão de Novo Krypton) Brainiac é
a manifestação do inimigo insensível e somado à Lex Luthor,
realmente uma ameaça que poderia fazer um herói experiente
abalar-se, especialmente alguém no início da carreira como o
personagem apresentado em Action Comics, um misto de herói dos menos
favorecidos com jornalista aspirando a mudança social a partir da
denúncia.
Enquanto a polícia
investiga Clark Kent em função de suas reportagens cheias de
denúncias sociais, temos em flashback o ataque de Brainiac à Kandor
e à família El, um vislumbre de Krypto o cão da família (que devo
confessar não gostei) e o surgimento de Metallo, numa ideia por
demais semelhante ao que Geoff Johns fez em Superman: Origem Secreta.
Assim, fico feliz que
Morrison, mesmo diante das bobagens da DC Comics em reestruturar seu
universo, consiga fazer histórias que usem e abusem de conceitos
antigos, sem uma página de cansaço pois os coloca de maneira
relevante para a nossa cultura. O Superman de Morrison é o mesmo dos
criadores do herói, Jerry Siegel & Joe Shuster,
porém num contexto atual. Esta definitivamente é a solução para a
editora: contratar uma equipe competente, que saiba analisar o melhor
que o personagem tem e trabalhar com isso.
Quando a poeira baixar
e as vendas voltarem ao normal, ficarão as lembranças do material
bom ou ruim que The New 52 produziu. Action Comics de Grant
Morrison e Rags Morales será referência de qualidade e terá
as vendas de encadernados catapultadas pelo lançamento do novo
filme. Outras se tornarão nota de rodapé nos anais dos quadrinhos.