1984 de George Orwell


Poderíamos dizer que George Orwell previu a exposição em massa via TV – a perda da individualidade em prol de um estado de onipresente e sempiterna vigilância. Eu, por outro lado, prefiro pensar que ele previu, melhor registrou, que nenhum Partido chega ao poder disposto a abandoná-lo. E, tencionando perpetuar-se no poder, admite utilizar-se de quaisquer meios para tal.

O grande trunfo é apontar que o Partido no poder, qualquer um, seja A ou B, tenciona alterar a história, mudar a memória, modificar os dados de modo a tornar-se mais áureo do que de fato o é. Me vem imediatamente à memória frase como “Nunca antes na história deste país...” tão comumente utilizadas recentemente no Brasil e tremo de pensar que o Partido pode ser facilmente encontrado nas palavras de quase todos os partidos tupiniquins, senão todos. Ao dizer “nunca antes...” o partido está sutilmente (mas não tanto) modificando a história, e levando as massas a não conferirem dados – até por que temos ¾ da população como analfabetos funcionais, mesmo.

Dividir o país em “nós” e os “outros”, ambos indistintos, mas facilmente perceptíveis, também é uma forma de se perpetuar no poder disseminar o conflito entre as classes.

Dobrar o cidadão e reduzi-lo a algo que o Estado manipula e brinca é algo exibido constantemente nas páginas da distópica obra, mas a figura do traidor, aquele que anuncia sua insatisfação, te coopta à resistência, acende a tua fornalha do choque e depois se retira, dizendo “não é bem assim... temos que ter um pouco de paciência...” e passa a te apontar para os dirigentes é algo muito comum.

As versões dos O'Briens são tão numerosas quanto as versões do Partido. Solitários são os Winston Smith.

Então reduzir a previsão de Orwell à vigilância em massa é reducionismo. Orwell previu isto, sim. Mas o que ele realmente previu foi o governo totalitário, onipresente e controlador de todos os aspectos. Vivemos estes dias. Sabemos e fingimos ser normal.

1984, George Orwell, ISBN 978-85-359-1484-9, Companhia das Letras, 2009, 1ª edição, 10ª reimpressão, Tradução de Alexandre Hubner e Heloisa Jahn.

Como um homem pode afirmar seu poder sobre outro, Winston?”
Winston pensou. “Fazendo-o sofrer”, respondeu.
Exatamente. Fazendo-o sofrer. Obediência não basta. Se ele não sofrer, como pode ter certeza de que obedecerá à sua vontade e não à dele próprio? Poder é infligir dor e humilhação. (...)” página 311.